segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Livro


Há um livro que ainda me fará percorrer todas as bibliotecas do mundo. Me fará buscar desde as bibliotecas nacionais com seus acervos astronômicos até a mais privada das coleções particulares, onde só entram os livros que passam pelo crivo de seu dono. Não é um livro qualquer esse que procurei, procuro e procurarei. Não lembro direito como era, nem lembro sequer quando o vi – terá sido nas noites escuras que ocorreu esse primeiro encontro? Sei apenas que quando ele emerge em minha mente não é possível esquecê-lo. Imagino que deva ser como todo livro de qualidade deve ser: capa dura encadernado num tom preto ou azul escuro, com o título e o nome do autor apenas na lombada em tom cinza ou branco, tudo isso protegido por uma sobrecapa desenhada por um dos excelentes capistas da Cosac Naify. Sei também que quando o encontrar provavelmente estará levemente empoeirado, culpa da minha demora já que o livro ou estará numa prateleira alta demais dificultando o acesso ou escondido na fileira traseira de uma estante organizada por um bibliotecário maldoso, escondendo-o das vistas. Quando me vêm a memória vem sempre sem título, sem autor e sem editora – vem apenas uma coisa: a vontade de lê-lo. Só esse livro me deixará finalmente sentar em minha poltrona. Só esse livro me deixará ler em paz. Só esse livro me deixará aprender a ler.

sábado, 28 de novembro de 2009

Anamnese

Eu repetia para ela que a única coisa que eu queria era conseguir me lembrar. Já faz dois anos que aconteceu o acidente e desde então parece que perdi um pedaço do meu corpo. Se um homem ao perder a perna ainda sente o seu fantasma atrapalhando suas caminhadas, me sinto também com essa ausência interrompendo meus caminhos, atrapalhando minhas novas memórias. Não conseguem segurar um lugar firme, cambaleam entre memórias, lembranças e recordações sem nunca se garantirem, sem nunca se firmarem, sendo esquecidas por momentos, dias e até para sempre. E até ela, ela que desde esses dois anos tem sido o meu norte, a minha luz, até ela não consigo perpetuar. Não saber qual músculo acionar para relembrar é minha maior angústia. Parece que todas as lembranças simplesmente aparecem sem aviso, pior, sem chamado.

Ela não escutava, ou não entendia. Olhava para minha cara com aquela ternura que antes de indicar seu carinho por mim me mostrava que ela não entendia o que passava. Repete apenas, frente as minhas súplicas, que sofri um acidente de carro, nada muito extraordinário: um sinal fechado uma batida uma concussão. Me diz também que eu não fiquei muito tempo no hospital, que minha saída foi rápida e que dei até sorte de nada ter acontecido.