quarta-feira, 6 de abril de 2011


Da varanda do apartamento observava sem muita inquietação os carros. Não pareciam lhe interessar as pessoas e muito menos a paisagem. Era apenas aos carros que olhava. Não estava procurando por um carro específico que contivesse dentro dele uma pessoa específica. Também não fazia nenhum jogo mental para passar o tempo no que via, apostando o numero de taxis a cada sinal fechado ou tentando enumerar todos os modelos parados antes que o sinal abrisse. Seus olhos um pouco cansados começavam a ficar irritados por aquele neon vermelho constante, mas manteve-se ali plácido aos poucos esquecendo, a irritação apesar de não o incomodar começava a distraí-lo um pouco, por que vir se debruçar na varanda para olhar os carros tinha sido a primeira coisa que fez ao voltar a sua antiga casa após tantos anos.

Se debruçando na grade mesmo, de maneira que sua mãe torceu nariz ao vê-lo daquele jeito displicente, que ela já imaginava meu-filho-caindo-do-alto-do-quarto-andar, olhando para a rua lá embaixo, rua que pelo movimento deveria muito bem ser chamada de avenida, e que de tão avenida estava atrasando a surpresa que ela acha que conseguiu não estragar ao ligar pro seu marido e perguntar casualmente, ela espera (apesar de que jamais liga pra ele no fim do expediente), se ele já estava saindo do trabalho e se ia demorar, rua que ele não tinha que ficar a tarde inteira desdequechegou olhando quando sua mamãe que ele não via há tempos precisava tanto dele. Isso tudo ela falou pra ele na sua cabeça, mas sem que o seu filho sequer percebesse que ela estava ali atrás dele não havia a menor chance dele se mover um só centímetro, mas que maldade vem de tão longe e nem pra me dar um abraço direito na mãe?. Ele não era mais aquele garoto que ela podia simplesmente mandar pra cima e pra baixo sem correr o risco dele desobedecer. Ele já tinha mais de trinta anos e doía isso nela.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Rabugices v.1

Talvez aquilo que mais deixe cansado não é essa coisa de ter que levar a roupa molhada, mais pesada, pra secar por 10 minutos passando por uma rua turística pois não existe, como assim, uma lavanderia mais perto. Também não é questão de subir 5 lances de escada cada dia pelo menos umas três vezes e uma dessas vezes, no mínimo, carregando peso de compras do mercado ou seja lá o que for. Não. Cansaço é isso de ter que esperar um proprietário, mais francês que nesse momento impossível, que na eleventh hour, da China (sim, da China), diz que não, não pode simplesmente olhar os números do gás e da luz e fazer uma conta que é uma soma e uma multiplicação por zero vírgula um e que, coitado, precisa esperar a fatura chegar no final do mês. Muito cansado, não consigo nem ler um livro sem ficar preocupado, tenho que terminar uma faxina que seja do mesmo nível de uma que as moças imigrantes fazem por 15 euros a hora e ainda faltam 18h para aguentar de ansiedade e depois ser frustrado, ainda que já esteja esperando. É, bem cansado.

domingo, 23 de janeiro de 2011

No aeroporto

Os dois, sentados, esperavam pela chamada do vôo. Luisa, apesar de tudo o que havia acontecido, não tinha sido fácil, mantinha a mesma paciência zen com que levara a viagem. Não é como se ele tivesse feito coisas terríveis a mim. Não ainda. Apenas umas coisinhas pequenas mas que poxa, tenho certeza que foram culpas do garçom que realmente estava dando mais atenção a mesa do lado da nossa, trocando todos os nossos pedidos. Realmente, seria fácil, ignorava Luisa, aceitar essas coisas fosse ele um simples companheiro de viagem de um final de semana e não um homem, o homem, para quem há três meses e treze dias ela havia dito que sim, que na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, por toda a  minha vida até que a morte nos separe. Não. Nesse caso aguentar seus pequenos surtos, não parecia ter esquecido ainda a forma como ele chutou as pessoas no metrô enquanto saiam por fazerem os dois saltarem duas estações depois do que deviam. Aguentar seus pequenos surtos portodumavida  talvez se provem um pouco mais complicados. E se provaram. Mas nesse momento, enquanto esperavam a chamada do vôo 7489 sentados em cadeiras extremamente desconfortáveis no aeroporto do Cairo, tudo isso não passava de uma ligeira impressão que ela tratou de nem reparar, deixou ela passar. É só o estresse da viagem, quando voltarmos pra casa tudo vai voltar ao normal.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Amor

Eu vejo. Eu vejo isso tudo e fico feliz. Fico feliz de finalmente saber aquilo que quero, não que eu não sabia antes, não que eu não tinha sentido isso antes mas é que cada vez que eu sinto, me bate uma emoção no peito, me bate uma vontade de gritar pro mundo e dizer que eu quero isso, eu quero tudo isso, eu quero poder dizer isso. A vida é muito boa, ela nunca me deixa de encantar (e de entristecer) e é isso que eu quero fazer: é o amor que eu tenho por ela (por vocês) que eu quero dizer, dizer sempre, com todas as vozes possíveis, a minha, a tua, a de todos vocês que eu amo, que me ajudam a viver e que me fazem ver. Quero guardar para sempre tudo isso que fizemos. quero marcar. não por que merecemos (não somos extraordinários) mas por que alguém precisa guardar tudo isso que (nos) acontece. Eu não sou o único, nem o último a fazer isso e isso realmente não me importa. O que me importa é esse pulso que tenho, que me faz querer dizer para todos vocês que amo vocês. E que a minha maneira de dizer eu te amo é essa.

:)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A bailarina de Degas


As bailarinas terminavam de se alongar após o ensaio enquanto um homem, já acima da meia idade, esperava numa das cadeiras da primeira fileira. Quando chegou não faltava muito para o ensaio terminar, talvez uns quarenta minutos, tempo o suficiente, porém, para que não aguentasse o cansaço e dormisse ali mesmo, naquela cadeira da primeira fila. Nenhuma das bailarinas se importou verdadeiramente com aquilo, apesar de algumas trocarem comentários de censura só por hábito, exceto àquela que era esperada. Ela que resolveu aproveitar o sono dele para, além de trocar de roupa, dar um retoque na maquiagem, um pouco desgastada pelos movimentos do balé, antes que saíssem para o jantar, não hesitou, portanto, em despedir-se das companheiras rapidamente e correr de volta para o camarim.

A idade começava alcançá-la. Ainda que, só agora ela começasse a perceber como as covinhas que tinha no canto da boca eram substituídas lentamente por rugas. Era ainda, sem dúvida, uma mulher muito agradável de se ver, ainda que não fosse o que se chama comumente bonita: seus lábios grossos, sua pele não suave, pelo contrário, como se cada expressão que fizesse deixasse uma camada a mais em sua pele, seus olhos sempre-os-olhos esbugalhados que denunciavam um cansaço que nunca estava de acordo com o sua habitual disposição. Um rosto que nenhum homem que passou pela sua vida iria se esquecer (apesar que de seu corpo nenhum lembrava mais).

Ela nunca se esquecia do que seu marido lhe dizia quando tomava um pouco de uísque, quando se punha a falar de todas as mulheres que tivera na vida (ela sabia que até nesse mesmo instante ele não havia aceitadoa ainda a monogamia), que jamais quisera, apesar de que oportunidades não me faltaram!, se meter com aquelas metidas a modelo. Não que ele fosse daqueles que gostava de mulheres feias, por serem feias, não, isso não. Ele apenas preferia que as suas mulheres tivessem certas falhas, não muitas: uma pinta mal colocada, um nariz mais achatado, dentes desalinhados, coisas assim, pequenas, mas que davam para ele  uma sensação maior de equilíbrio. Balela, ela não esquecia mas também não acreditava. Sabia que a razão em preferir as “falhadas”  era que achava que isso melhorava a foda.

(...)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Cena(s) de uma(s) vida(s) #1


Em seus olhos havia apenas um vazio. Sentada, na quina da cama, a beira de um colapso mental a qualquer momento, tentava arranjar forças para se levantar para se levantar. Para que não é importante – ainda que ela já estivesse alguns minutos atrasada para o seu trabalho. Parecia, no entanto, que enquanto seus olhos permanecessem ausentes, enquanto eles não voltassem de onde tivessem ido onde? ela permaneceria ali, ainda que se levantasse, ainda que chegasse ao trabalho na hora certa por sorte de chegar ao ponto de ônibus na hora em que o ônibus chegasse, ainda que voltasse para o calor de seu lar após um duro dia de trabalho, ainda assim, jamais teria saído, nem por um segundo, daquela quina da cama onde o que fazia?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

2.

Até agora as coisas ainda não trataram de ficar claras, pelo contrário, continuam obscuras e ofuscadas como se a minha memória houvesse sido registrada por uma velha câmera lomo. Tudo está borrado, as cores estão trocadas e não consigo olhar bem nos olhos das pessoas sem me perder no lusco fusco do papel, sem me perder como me perdi durante aqueles dias naqueles olhos, sem me perder como sempre quis me perder. Hoje estou perdido também, mas não mais entre seus braços. Perdido nessa banheira quente que em pouco tempo deixará minha pele tão enrugada quanto meu espírito, das tantas dobraduras que levou nas semanas que se passaram desde que conheci