sábado, 28 de novembro de 2009

Anamnese

Eu repetia para ela que a única coisa que eu queria era conseguir me lembrar. Já faz dois anos que aconteceu o acidente e desde então parece que perdi um pedaço do meu corpo. Se um homem ao perder a perna ainda sente o seu fantasma atrapalhando suas caminhadas, me sinto também com essa ausência interrompendo meus caminhos, atrapalhando minhas novas memórias. Não conseguem segurar um lugar firme, cambaleam entre memórias, lembranças e recordações sem nunca se garantirem, sem nunca se firmarem, sendo esquecidas por momentos, dias e até para sempre. E até ela, ela que desde esses dois anos tem sido o meu norte, a minha luz, até ela não consigo perpetuar. Não saber qual músculo acionar para relembrar é minha maior angústia. Parece que todas as lembranças simplesmente aparecem sem aviso, pior, sem chamado.

Ela não escutava, ou não entendia. Olhava para minha cara com aquela ternura que antes de indicar seu carinho por mim me mostrava que ela não entendia o que passava. Repete apenas, frente as minhas súplicas, que sofri um acidente de carro, nada muito extraordinário: um sinal fechado uma batida uma concussão. Me diz também que eu não fiquei muito tempo no hospital, que minha saída foi rápida e que dei até sorte de nada ter acontecido.