quinta-feira, 22 de julho de 2010

Olhar de clepsídra (ver. 2)

Seu olhar de clepsídra. Seu olhar que sempre acusava uma despedida. Sabia, nunca tinha sido novidade para ele que um dia iria embora, ela teria inclusive dito isso para ele no primeiro encontro dos dois. Mas não precisava ter dito nunca. Não era necessário saber, quando se conheceram, que em um ano embarcaria para o doutorado em Nova Iorque. Isso nunca foi necessário. Bastava apenas alguns minutos com ela para enxergar que os momentos que ela passava contigo eram sempre medidos por uma lembrança futura; fossem bons momentos já se podia enxergar a saudade que a assombraria mais tarde, fossem não tão bons transpirava a sua ansiedade, quase dizendo que-eram-por-momentos-como-esse. E a cada encontro que tinhamos sempre encontrava aqueles olhos levemente marejados de espera. Não acho, nem nunca achei, que ela fazia isso de propósito, mas era transparente. Podia enxergar esse destino em todos os seus atos, todas as suas palavras e até em seus tiques que só eu aprendi a reparar durante o tempo que passamos juntos. Não sei se conseguiria dar um tom para essa despedida. Ela sempre me falou muito pouco disso e não consigo me decidir se era o medo ou a ansiedade que imperavam. Não tenho dúvidas de que sobre ir ela estava certa, parecia só saber, sentir isso, essa necessidade.

E a cada dia que se aproximava enxergava mais nitidamente. Por mais que ela não quisesse que isso fosse verdade. Enxergava que não havia espaço para mim em Nova Iorque.

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E a cada dia que se aproximava mais azuis ficavam seus olhos. Até aquele dia no aeroporto. A clepsídra chegava ao seu fim e soltava a última gota d’água sob o meu ombro. E do meu ombro a última gota escorria para a minha mão. E da minha mão a última gota escorria e molhava a passagem que eu segurava e que a segurara.

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E os meus braços apertavam o seu corpo com toda a força. Os mesmos braços que, num último movimento, giravam essa clepsídra para que ela tornasse a correr de novo. correr sem fim. ao meu lado.