quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Momento qualquer


E sua mente, por isso mesmo, nunca conseguia ficar parada. Havia sentado ao lado de uma menina, não era lá muito bonita, pensava, mas o suficiente para que pudesse se interessar, e ainda carregava no colo, ainda que não estivesse lendo, aquele volume de cartas do Tchekhov que a Penguin havia editado. Dá vontade de falar com ela só pra pedir pra ver o livro. Mas não, ela não lia, então não podia nem pescar algo, qualquer coisa, no livro. Ficaram sentados um ao lado do outro do Flamengo à Uruguiana onde trabalhava. Não consigo deixar de ter impressões durante essas situações. É como se meu braço começasse a formigar, como se adquirisse, além de uma sensibilidade hiper-exagerada, uma capacidade de interpretar e dar sentido ao menor toque. Sim, você também está só, como eu, também quer conforto, carinho, mas que ninguém veja esse nosso encontro aqui no ônibus, pois você tem medo, medo de que te olhem torto por pedir conforto a um homem, um desconhecido, mas um homem. Eu entendo, eu sei que você não pode, que não poderemos nem nos olhar diretamente, só poderemos nos esbarrar, nossas pernas, nossos braços e soltar alguns pequenos gritos silênciosos, com licença, você sentou sem querer na alça da minha mochila, por-favor-fale-comigo; Ah! me desculpe, não havia percebido, estou-aqui-pode-segurar-minha-mão. Obrigado, por-que-você-demorou-tanto; Não tem de que, te-procurei-por-toda-parte.É o meu ponto, me-siga-por-favor-quero-não-consigo-continuar-sem-você, se você puder me dar licença, por favor; claro, não-há-nada-que-queira-mais. Mas não consigo, minhas pernas se prendem ao chão e vejo-a escapar dos meus dedos sem nem ter olhado para seus olhos direito. Mas para o mundo de fora nada acontece. nada, para quem não está lá, para quem não sofreu a dor da partida, eram apenas dois estranhos. Chegava ao seu trabalho sem acontecimentos pronto. Pronto.

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